Quando o assunto é teatro, é comum associá-lo aos palcos, aos atores e atrizes que assistimos em um espetáculo, nas telas do cinema ou nas famosas novelas. Mas será que fazer teatro é realmente só para quem deseja atuar?
Se olharmos fora da “caixinha” podemos encontrar uma diversidade de possibilidades em que a prática teatral pode nos oferecer além da arte. Para entendermos um pouco mais sobre esse assunto, realizamos uma entrevista com a docente do Curso Técnico em Teatro do Senac São Paulo, Marilene Grama, que compartilhou as atividades e as vantagens que o Teatro pode oferecer para a educação, para a socialização e para o mundo corporativo. Acompanhe a entrevista a seguir:
Você concorda que “Teatro é só para quem deseja ser ator/atriz”?
Não concordo - porque acredito que uma boa experiência de prática teatral pode trazer diversos benefícios para as pessoas que dela participam. Se o objetivo é experienciar o teatro, mas sem o desejo de profissionalização, vale buscar por oficinas livres e afins, que costumam ser pensadas para o público geral. Quando há o desejo de profissionalização, as oficinas livres podem ser uma porta de entrada, mas os cursos técnicos e universitários serão aqueles que verticalizaram os estudos e práticas para o ofício.
Dentro da educação, como você entende a influência das atividades teatrais no desenvolvimento das crianças e dos adolescentes?
Uma boa experiência teatral possibilita que a criança (e/ou adolescente) investigue um canal prático de manejo de subjetividade e sensibilidade – suas e em relação com o outro e com o mundo – através de uma linguagem artística que, por ter suas regras, possibilita uma organização desse material. Esses aspectos são, indiscutivelmente, fundamentais no desenvolvimento humano. Além disso, o contato com o teatro tende a ampliar a visão crítica e oferecer ferramentas para operacionalizar de maneira mais eficiente a convivência coletiva.
De que maneira o teatro pode auxiliar a prática pedagógica de um educador?
Educadores podem encontrar no teatro novos olhares sobre suas práticas, sejam elas formais ou livres. Essa linguagem artística trabalha com procedimentos que abordam estratégias lúdicas e divertidas que podem ser transpostas para os ambientes de sala de aula, como os jogos teatrais, por exemplo.
Qual papel ele pode exercer na construção da empatia e do respeito nas interações sociais dos alunos? O teatro pode ser um instrumento para combater o bullying e a exclusão social?
A natureza da experiência teatral permite que seus praticantes debatam vários temas relacionados à nossa sociedade e, também, que experimentem cenas sobre os mais diversos assuntos. Essas práticas exigem discussões e pesquisas, que impactam na ampliação da visão crítica do mundo e na ampliação das possibilidades de existir. Além disso, o teatro é uma linguagem artística coletiva por excelência, o que promove uma melhora qualitativa do senso de coletividade e da escuta ativa. Esse conjunto de habilidades trabalhadas podem colaborar, numa espécie de ação em cadeia, na construção da empatia e na ampliação do respeito em interações sociais o que, por sua vez, pode colaborar no combate ao bullying e na redução da exclusão social. No entanto, é importante assinalar que o teatro é uma linguagem artística, cujo ponto principal é promover uma fruição artística/estética. Os benefícios supracitados podem também ser colhidos da sua experiência prática, mas essa colheita dependerá dos fatores humanos envolvidos no total da experiência.
E no ambiente corporativo? Como pode ser aplicado para os adultos?
A prática teatral tem forte potencial para auxiliar no desenvolvimento pessoal e profissional de pessoas do mundo corporativo, uma vez que as habilidades desenvolvidas podem ser empregadas na vida cotidiana global. Vale, portanto, o destaque para: aprimoramento da consciência corporal e vocal – com impactos na qualidade da presença, escuta ativa, proatividade, melhor manejo de situações inesperadas, mediações de conflito, visão crítica, senso de coletividade.
Visando as suas experiências, quais vantagens você destacaria para uma empresa ao incluir atividades teatrais em treinamentos corporativos?
As vantagens estão no desenvolvimento das habilidades supracitadas: criatividade, senso de coletividade, escuta ativa – que possibilita ganhos de empatia -, manejo mais consciente e estratégico das expressividades corporal e vocal, melhora da presença e do uso da respiração, mais segurança para lidar com situações inesperadas e mediações de conflitos. Além disso, cabe o destaque para o fato de que, sendo o teatro uma linguagem artística coletiva por excelência, grupos de trabalho podem passar por incrementos em seu senso de coesão, com escuta mais segura para que as individualidades exerçam suas funções considerando os objetivos do todo.
O teatro é uma arte coletiva? Ela influencia na colaboração em grupo e na resolução de conflitos?
Sim, o teatro é uma prática artística coletiva. Dessa maneira, tem potencial para aprimorar colaborações em grupo e resoluções de conflito. Além disso, é uma arena – que se pretende segura – para debater os mais variados assuntos. O teatro exercita a ideia de “nós” e maneiras de tomar decisões para além do “eu”. Portanto, provoca pensarmos o mundo por um viés coletivo – e sua prática exercita as dores e as delícias de experimentar “caminharmos juntos”. Há, constantemente, uma busca por alinhamentos entre as ideias e ideais dos/as envolvidos/as, em um exercício constante de propor e ceder, sempre colaborar.
Como você enxerga a formação de educadores da área das artes cênicas dentro da nossa realidade atual?
Existem boas formações de educadores da área de artes cênicas ocorrendo em grandes universidades pelo Brasil, principalmente pelo esforço dos docentes – que muitas vezes trabalham em condições inferiores às que merecem. Este é um setor que merece maiores investimentos de infraestrutura. Infelizmente, a área de artes e educação sofre com sucateamento de suas instalações por não receber a devida atenção das instituições que deveriam zelar pela sua qualidade, melhoria e manutenção.
Para finalizar, qual sua visão sobre o futuro do teatro na educação, na socialização e no mundo corporativo? Na sua opinião, o que falta para que essas áreas possam aderir essa arte como método de aprendizagem?
O teatro, enquanto fruição estética e experiência artística prático-pedagógica, tem muito a oferecer nos campos da educação, socialização e no mundo corporativo. Certamente, mereceria mais espaço, atenção e investimento – uma vez que oferece aprimoramento de habilidades humanas essenciais em uma sociedade cada vez mais tecnológica e envolta por inteligência artificial. As competências desenvolvidas no teatro estão relacionadas às experiências humanas do campo sensível, coletivo (e, portanto, relacional), criativo, expressivo, abstrato. Creio que para ganho de campo de ação no futuro, vale a divulgação das potencialidades desse tipo de trabalho, bem como a produção e divulgação de conhecimento que respalde os benefícios dessa prática.
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